Consumo e Ética

O consumo hoje representa os desejos humanos de preenchimento e uma compensação pelas disparidades sociais. “Eu posso não ter o mesmo padrão de vida, mas uso o mesmo produto que você!” Consumo é realização, mas também representa vingança, o ir à forra dos que, em tese, podem menos. A oferta de possibilidades é renovada diariamente, gerando novos desejos e novas frustrações.

Autossustentável: Consumo
Acompanhando este movimento, as relações em sociedade sofrem de uma liquidez e flexibilidade imensas. No dizer de Bauman, as redes são o novo formato. Redes se formam entre consumidores de determinada marca, que apesar de nunca terem qualquer tipo de contato identificam-se entre si e excluem/ marginalizam aqueles que não conseguem adquiri-la. Uma mesma pessoa pode estar vinculada a várias redes e não ter companhia para o final de semana, tamanho o nível de abstração e precariedade deste novo formato de associação.
A liquidez afirmada pelo autor está representada na facilidade com que os vínculos são firmados e diluídos. O casamento que antes era sólido, hoje é facilmente desfeito em um procedimento simples. O emprego que antes representava solidez, hoje é trocado conforme o interesse do empregado, vez que seu vínculo com o trabalho deixou de representar sobrevivência. Hoje emprego tem conotação maior de status, de garantidor do padrão de consumo.

Autossustentável: Sociedade líquida
Considerando que este modo de vida consumista traz felicidade temporária, e apenas para alguns, ele gera uma situação deplorável ao ser humano. Isso porque ao fim da saga do consumo encontra-se vazio internamente e com excesso de produtos que acabará não utilizando, aparências e dívidas à sua volta. Assim, só resta a ele retomar sua confiança no modo anterior de organização e buscar as instituições assistencialistas do Estado Social.
Em nosso país presenciamos um exemplo vívido desta lógica. Quando a concentração de renda saturou e o consumo começou a apresentar sinais desagradáveis, o povo elegeu um governante de esquerda, que criou inúmeros programas assistenciais. Este processo facilitou o acesso ao consumo pelas classes mais baixas e aumentou a ganância daqueles que perceberam o grande mercado que se abria.
Ganância e falta de dignidade geram ressentimento e criminalidade. A violência aumentou e as cidades se tornaram ambientes fragmentados. Condomínios fechados se tornaram mini-cidades que permitem o enclausuramento voluntário em nome da segurança.
Autossustentável: Casas - Quadrinhos Ácidos
Fonte: Quadrinhos Ácidos do cartunista Pedro Leite.
O alerta internacional quanto ao esgotamento dos recursos do planeta já foi soado, entretanto poucas são as iniciativas que buscam um novo rumo. A sustentabilidade, tão festejada, soa mais como uma leve concessão do capitalismo a modos mais eficientes de produção, o que ao final gerará aumento nos lucros. Mas traz um alento aqueles que querem proteger o meio ambiente e otimizar a utilização dos recursos.

Autossustentável: Sustentabilidade x Consumo
A verdade é que a sustentabilidade “atrasa” o processo de degradação, ou seja, diminui o ritmo. Cidades sustentáveis, produção e consumo sustentáveis, construções e atitudes sustentáveis são parte de um plano de educação de novos seres humanos ambientalmente conscientes. Mas em que medida ess
e plano obterá êxito se a convocação para o consumo é muito mais articulada e incisiva?
A reflexão necessária é bem mais profunda do que aquela que hoje é possível. Em que medida ainda é possível ser isento dos confortos e manipulações desta cultura consumista na qual a geração atual nasceu e foi criada? É possível refletir fora do contexto em que estamos inseridos?
A vida humana passa por transformações durante o seu curso. Na juventude há o abandono das origens a fim de criar uma nova identidade e um modo de vida mais condizente com o que se acredita. Então, não seria o ser humano capaz de abandonar sua cultura consumista para aprimorar sua identidade e reformular seus valores a fim de gerar mais harmonia?

Autossustentável: Mafalda - Sociedade de Consumo

A sociedade líquida dá mostras de que alguma solidez é necessária. Mas estaria ela disposta dar um novo salto?

Referências Bibliográficas:
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.
BAUMAN, Zygmunt. É possível ética num mundo de consumidores? Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
CAVALCANTI DE ALMEIDA, Maria Carmen. A ética das virtudes e o meio ambiente. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, out.-dez. 2006. Ano 11. N. 44. P. 64 a 78.
FERREIRA BASTOS, Lucia Elena Arantes. O consumo de massa e a ética ambientalista. In Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, jul.-set. 2006. Ano 11. N. 43. P. 177 a 202.
RIZZATO NUNES, Luis Antonio. O capitalismo selvagem e os consumidores desesperados. ABC do CDC. Capturado em http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI155123,101048-O+capitalismo+selvagem+e+os+consumidores+desesperadosAcessado em 24/09/2014.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Global Outlook on Sustainable Consumption and Production Policies: Taking action together. Capturado em http://www.unep.fr/scp/go/pdf/Global%20Outlook%20on%20SCP%20Policies_full_final.pdfAcessado em 24/09/2014.


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